quinta-feira, 14 de outubro de 2010

The Flaming Lips - Zaireeka


Aproveitando a minha constipação de forma (relativamente) positiva, tenho estado em casa a (re)descobrir muita coisa boa e alguma digamos pouco ortodoxa.

Este album já o conheço há uns anos e não sei se o conceito é mais frito ou fascinante.
Trata-se de uma obra conceptual em 4 discos. Curiosamente todas as faixas dos 4 discos têm o mesmo título. São a mesma música, ou melhor, partes de uma música una, cada uma gravada de forma diferente. A ideia do álbum é reproduzir os 4 discos em simultâneo em 4 aparelhagens diferentes (ou qualquer coisa que reproduza som), dispor as colunas da maneira que mais apetecer e deixar-se emergir. Aliás, a capa do album é uma ilustração disto.

É efectivamente o único album que conheço feito a pensar numa experiência interactiva, em que o utilizador final define a maneira como ouve o album. Noutros albums altera-se o equalizador, brinca-se com o volume e o pitch, mas aqui a intenção é dispor partes da mesma música de n maneiras diferentes no espaço e tentar perceber as diferenças auditivas que daí surgem. Será talvez o equivalente mais próximo do conerto, em que a banda se dispõe no palco com os seus amplificadores e a posição relativa do espectador se vai naturalmente modificando.

Todas as faixas foram gravadas com o conceito de que a soma das partes é inferior ao todo, apelando à experimentação e interactividade. Uma das experiências possíveis seria por exemplo colocar um disco numa aparelhagem de alta fidelidade, outra num rádio de um carro, outra num despertador rasco e o 4º a dar directamente das colunas do portátil.

Agora a pergunta que surge a muita gente (a mim inclusive) é: Será que isto é exequível? Parece demasiado trabalho. Tanto para a banda que poderia ter juntado simplesmente tudo num disco de 8 faixas e poupar muito dinheiro, como para o consumidor final, que terá de arranjar 4 dispositivos de som e activar a reprodução dos discos simultaneamente (que pelo que leio em foruns é uma chatice dos diabos). Efectivamente os Flaming Lips não são uma banda que aprecie a facilidade. Complica a sua vida intencionalmente, com o intuito de a complicar também para os fãs, para que estas tenham uma experiência mais imersiva. Assim cada um pode ter a ilusão de que é um técnico de som dum estúdio de produção. E tenho opinião dividida se isto é algo de valor ou não. Já juntar 2 telemóveis a dar a mesma espuncalhada simultaneamente num memorável jantar na Cantina Velha há tempos foi algo complicado, quanto mais isto.

Este conceito não veio do ar. A banda começou por volta de 1996 a dar concertos em parques de estacionamento, espalhando K7s pelo público e pedindo que as reproduzissem em simultâneo nos seus rádios. A tour para promover o album teve o título de Boom Box Experience, em que a banda trazia as suas boom boxes para distribui-las pelo público, instruindo partes da plateia ao longo do evento a baixar ou diminuir o som.

Para colmatar dificuldades logísticas associadas à devida percepção da obra, a comunidade tem sugerido que se façam Listening Parties em que se junta um grupo de amigos para curtir a experiência.

Até hoje nunca surgiu ter participado em tal experiência nem me dei ao trabalho de o fazer em casa com os portáteis e tinha uma impressão algo céptica quanto ao album, sendo mais uma curiosidade do que algo realmente apetecível. Ouvir o album um a um, faixa a faixa é ingrato, estranho e irritante. Isto também dividiu imenso a crítica da especialidade, sendo o album que conheço com cotações mais díspares. Recebeu 10 do New Musical Express e da Pitchfork levou um glorioso 0.

Contudo, ontem arranjei um Stereo Mixdown do album, em que alguém reproduziu o album de forma devida e gravou o resultado. E isto sim, é uma experiência agradável. Rock Psicadélico como ele dever ser. O Mixdown não é certamente aquilo que a banda pretende, mas é uma ideia muito aproximada, que serve para uma utilização diária muito satisfatória. Preparem-se para fritaria das grandes. A título de exemplo a lírica da 4ª faixa The Machine in India, com duração de 10min23seg e sons dissonantes:

I'm goin' to India over and over again.
I'm standin' in a cylinder,
Seein' all the bleedin' vaginas.
I feel it now comin' over me so I strive to love the Messiah.
I'm goin' to India over and over again.
I'm rushin' to the nearest station,
Feet and hands collide with the driver.

All I that I think, all I thought and all I know the Syrian missile guides itself into the vaginas.
I'm goin' to India over and over again.

2 comentários:

B disse...

Espero, sinceramente, que este blog tenha uma longa vida! Parabéns ao autor.

Bino Lento disse...

Ora ora, muito bem investida essa constipação!!

Os Flaming Lips são do caraças! São uns inovadores, por vezes incompreendidos. Já o Embryonic (2009) é uma obra conceptual à la 70s que também teve dessas classificações nessas revistas da especialidade.

Independentemente de se gostar ou não, são das poucas bandas que se preocupa efectivamente em arriscar e em oferecer qualquer coisa de novo em álbuns, em concertos, em conceitos.

Às vezes podem dar tiros no pé, mas pelo menos não têm medo de disparar!